segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Palas Atena fala ao Amor

Aí está você... Há quanto tempo não te via, como vai? Sentiu saudades do meu mundo? Aliás, essa é uma questão deliciosamente retórica, pois clamei em silêncio durante muitas noites por teu regresso... Mas disso você já sabia; você sempre sabe. Tal qual  um pássaro nasce com o dom supremo de conquistar o firmamento, você explora e conquista cada esquina de minha existência, sempre espreitando meus pensamentos, lágrimas e sorrisos. E como isso me conforta... e assusta. Como deve se sentir uma presa prestes a sucumbir ao faminto algoz? Desafia-me, ronda-me, mas nunca poupa-me. Minha selvagem natureza deleita-se com cada intróito, por mais que o medo a tente. Minha alma feroz foi forjada para a batalha, porém, como lutar contra a essência que te domina? Seria uma espécie de suicídio!
Sim, à primeira vista tudo isso não passa de um emaranhado de palavras sem sentido, entretanto, para que dar sentido ao indefinível? Quero decifrar-te, mas você já vem com a resposta pronta, feita, eloquente, inquestionável. O que há com a esfinge que habita meu ser? Cansada de jogar ou seduzida pelo cinturão daquela vinda da espuma? Minha poderosa armadura não resiste mais ao ardor da batalha; minha espada sagrada já não fere com ódio... Não entendo. Como uma divindade pode sentir medo? Gostaria de sentir como uma mortal, pois talvez os mortais saibam o que você  pode causar à mente alheia... quando jurei não sucumbir ao poder afrodisíaco, jamais pensei que estaria condenando-me ao oposto, já que o sedutor veneno trazido pela flecha de Eros tomou meu ser com tanta doçura que já não posso mais resistir... Sim, mortais, eis que digo: quando fala o coração, cala-se a razão. E, faço-te um pedido: por favor, não se vá... Saber que pode ouvir meu clamor proporciona uma satisfação inenarrável. Prometa-me que continuará a me ouvir, sorrindo de todas as minhas incertezas e desafiando a minha coragem.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Não vai doer, não vai doer, não vai doer!



Ontem, tive um dia muito difícil, sempre repleto daquela ansiedade comum da tal maturidade, que até hoje ainda não aprendi com se usa e nem sei para que serve. Aliás, acho que nunca aprenderei, pois não ganhei manual de instrução para lidar com essa máquina complexa. O mundo faz questão de, da noite para o dia, tirar-nos o prazer incomensurável de devorar um saco cheio de balas e uma caixa de bombons para dar-nos uma caixa repleta de frustrações, insegurança e medo e nos encher o saco. Eu me recordo, saudosamente, da época em que o meu medo de escuro era causado por monstros imaginários debaixo da cama; hoje, os monstros existem, mas estão mais à mostra do que eu gostaria.
Mais um dia comum... Se não fosse pelo fato que narrarei a seguir: olho o relógio, nove horas da noite. Decido dormir, já que não há nada de interessante na televisão, a não ser desenhos, infantis, utópicos e exagerados, totalmente inapropriados para minha condição adulta. Eis que, agora, minha pequena, mas derradeira viagem está prestes a começar... Já no mundo dos sonhos, ouvi uma voz bem doce de um anjo que mais parecia cantar, como se competisse com a delicadeza das cordas sublimes das  harpas de Orfeu. Não consegui, por mais que tentasse, enxergar a origem de semelhante formosura sonora, mas isso nem chegou a me incomodar, tamanha a alegria em poder ouvir aquela voz. Após esse nirvana, pouco a pouco a voz começou a fazer sentido, isto é, comecei a identificar o que estava sendo falado. Senti-me rodeada por anjos, contemplando uma orquestra de fadas, cuja delicadeza e beleza seriam motivo de ira até mesmo por parte de Afrodite, caso ela também fosse convidada para aquele espetáculo. Concentrei-me o máximo possível, até encaixar todas as palavras, assim como faz um poeta ao escrever pensando em sua musa inalcançável... “Ouça-me, sinta-me, acredite em mim...” Essas foram as primeiras frases ditas pelo anjo as quais pude entender com nitidez. E a doce melodia continuava... eu sabia que sonhava, mas era como se fosse real; um mundo só meu, longe do mundo cinza que me esperava no instante do abrir de olhos. Finalmente, percebi que tratava-se realmente de um anjo, pois a voz era infantil. “Que maravilha! Gostaria de sonhar contigo todos os dias! Por onde você andou enquanto eu tinha pesadelos sem estar dormindo? A vida é difícil e dolorosa, criança... Você tem sorte por poder manter sua condição eterna... Queria ser como voê, um anjo, a brincar por entre as nuvens e contemplar de perto o azul do céu, sem temer o pôr do sol e a escuridão da noite...” – Lembro-me com clareza de tudo o que disse ao anjo.
 Imediatamente, aquela doce criaturazinha soltou uma risada sonora! Ria com prazer, com alegria... Uma ternura digna apenas de um ser tão inocente quanto aquele anjo... Embora eu não o enxergasse com nitidez, sentia com se já o conhecesse há muito tempo... Foi então que, de maneira doce, porém firme, o anjo me disse: “Sua boba, sua boba!”– seguido de mais risadinhas, cheias de graciosidade e inocência –  “Como você pode ter medo do mundo se foi você quem o construiu? Seus castelos de areia hoje são de concreto, feios e sem cor, mas foi você quem os fez! Você tem medo da dor porque sabe que é a única responsável em torná-la real... Não vai doer se você tentar sorrir por alegria verdadeira e não para mascarar um problema sem graça que você botou na cabeça que tinha de resolver! Não vai doer se você achar graça de si própria quando cair e tiver a mesma coragem que eu, criança, tenho de me levantar e prosseguir! Não vai doer se você não tiver medo de gritar sem parecer louca só porque está alguns centímetros mais alta! Não dói, eu juro! Por acaso você se lembra de quando acreditava   que poderia voar? A diferença entre nós é que eu acredito... Você não. E quem de nós duas hoje bate as asas com liberdade?” – encerrou a criança.
Despertei bruscamente. Embora aquele sonho fosse tão prazeroso, confesso que me assustei com seu caráter quase verossímil. Após recuperar-me um pouco daquele baque inicial, observei o relógio. Meia - noite. Levantei-me para beber um copo de água e reagi com bastante estranheza ao cometer um ato o qual só fazia quando era criança: olhei debaixo da cama, bastante receosa, como se procurasse algo. Eu sempre fazia isso quando temia os tais monstros, que me levariam embora “para sempre” caso não comesse todo o jantar ou fosse dormir sem escovar os dentes. Mesmo estranhando, achei divertido aquele “retrocesso”. Fechei os olhos, tendo uma remota esperança de ouvir as doces palavras daquele anjo novamente, mesmo sabendo que isso talvez jamais acontecesse. Dormi, enfim, mas não sonhei outra vez.
Pela manhã, ainda com aquelas palavras na cabeça, amanheci com uma vontade louca de comer chocolate... Nem liguei para as calorias que a televisão diz que eles possuem... Devorei uns três ou quatro bombons com uma felicidade imensa, a qual sentia em minha infância, quando a Páscoa se aproximava. Enquanto me arrumava para o trabalho, atrasada como sempre, repetia baixinho aquelas palavras angelicais, como se eu as tivesse dito de fato. Subitamente, memórias gostosas dos meus tempos de menina tomaram meu pensamento... Por exemplo, quando, ao aprender a andar de bicicleta, consegui umas boas cicatrizes dos tombos que levei... E mesmo assim não desisti! Lembrei-me também de quando quase matei meus pais de susto quando cismei em me jogar da sacada da varanda, pois eu havia visto a Sininho dizer aos meninos perdidos que bastava pensar em coisas boas para poder voar... Memórias, tão distantes quanto a diferença de idade no tempo em que as vivi, mas tão próximas quanto a voz do anjo pequenino e do meu desejo momentâneo de revivê-las...
 Isso tudo parece sem sentido ou surreal? Pois bem, eu também pensaria assim. Mas, o que vocês pensariam se eu dissesse que, naquele instante, eu consegui rever o anjo? Sim, consegui! Estava lá, diante dos meus olhos, os quais agora conseguiam vê-lo com nitidez. Olhava-me com espanto e alegria! A mesma expressão, o mesmo sorriso assustado, a mesma íris cheia de vida e cor. Sorri, feliz e satisfeita, pois vi o mesmo anjo que me apareceu naquele sonho, agora tão revelador ... Assim que meus olhos cruzaram o espelho.



Nesse dia tão especial, desejo que as crianças que somos e que habitam nossos sonhos sempre venham nos dizer o quanto não devemos ter medo de não crescer. Feliz Dia das Crianças!

Mariana Lutz

terça-feira, 5 de outubro de 2010

"Esfingindo-se"


Lá vai ela... Já não se consegue visualizar o ponto de partida, tamanho seu desejo pela linha de chegada. Na verdade, não é bem cruzar essa linha o que ela deseja, já que isso representaria o fim; ela não quer o fim, quer o desafio, quer sentir o sangue correndo nas veias por estar ali, desfrutando de um êxtase divino, “orgasmático”, transcendental, tal qual conhecem apenas os poderosos deuses. Talvez ela seja um deles... ou não. Talvez ela seja ainda mais. Afinal, nada mais excitante do que um mortal ter pretensões divinas... Ela tem asas, cujas penas são feitas de pétalas de rosas. Há quem deseje podá-las, algumas vezes com êxito. Porém, a primavera constitui novamente essas asas imortais, feitas para transcender os limites do horizonte. Foi ela quem ensinou esse pulo do gato a sua ave de estimação, a Fênix. E por falar em gato, seus olhos... Felinos, tão felinos... Vivos, porém tristes. Querem a tudo conhecer, encontrar... São olhos muito especiais, pois enxergam dentro da alma de cada um; o curioso é que não podem, por mais que tentem, enxergar a si mesmo com plenitude. É sempre um enigma, um momento de reflexão, metafórico e paradoxal.  Cabelos? Não... Fios de ouro, tecidos por Afrodite enquanto delirava de  amor ... O Sol, que é seu amigo, proporciona com prazer um brilho esplêndido ao tocar em seus cabelos, cuja luz se dissipa por entre os universos... À noite, dizem que tal brilho ilumina a lua, sua amiga de longa data também. Não fala, mas canta. De seus lábios saem as mais belas canções de amor já feitas, bem como gritos de ódio e horror. Aí está. Talvez seja por isso que ela ainda não tenha alcançado os Campos Elíseos. Eles não estão prontos para essa tempestade. Será que os deuses do Olimpo estarão preparados para a fúria da esfinge? Aqui não existe cronologia, mas filosofia. O seu desejo em ser a torna de fato o que ela é.  Decifra-me ou te devoro. Devora-me ou te decifro. É o que ela costuma pensar, sempre que alguém lhe faz sorrir.